domingo, 31 de maio de 2020

LEMBRANÇAS

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Hoje, lembrei-me de uma triste cena que presenciei no primeiro ano da faculdade de direito da USP: um dia, quando o Professor Limongi França, titular da cadeira de Direito Civil, chegou com os seus dois Professores Assistentes na sala da nossa classe, o Bedel, que era bem jovem e de cujo nome não recordo, estava sentado na mesa dos Professores, bem na cadeira do tal Professor, terminando de preencher o grande livro de presença dos alunos. Lá da porta de entrada da sala, o Professor Limongi, em alto e bom som. apontando para o Bedel, praticamente gritou:
- quem deu ordem para você sentar-se na minha cadeira? Como diz o ditado popular "cada macaco no seu galho!".
O constrangimento foi geral. Nós todos, alunos novatos, embora atônitos, nos acovardamos e não tivemos coragem de nos rebelar contra aquela grosseira injustiça, e ficamos silentes.
Na época eu ainda não conhecia o poema "Para Aqueles que Virão Depois de Nós" do grande B. Brecht, onde tem um verso que diz mais ou menos o seguinte "a cólera da injustiça faz a voz ficar rouca". Naquele momento, o medo impediu que nossas vozes ficassem roucas diante daquela colérica e bárbara grosseria, ocorrida sob as seculares paredes daquele templo de Justiça e de Liberdade, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

Ainda joje, 45 anos depois, tenho raiva de mim porque, naquele momento, não reagi à altura.
E que Deus se apiede da alma do Professor Limongi França, já falecida, por aquela sua grosseria gratuita e raivosa contra um simples e educado Bedel.